domingo, setembro 02, 2007









Projeto de roteiro:“O Exílio Delicado da Paixão”

Argumento: Carlos Henrique Souza
Clarice e Marcos jantam. Aparentemente tudo segue como nas noites anteriores. Comentários sobre como foi o dia no trabalho. Transito lento na volta para casa. O calor excessivo dos últimos dias. Da urgência de férias para ambos. Até que, uma discussão banal sobre o tempero da comida deflagra uma guerra verbal entre ambos. Medos, rancores e frustrações vêem a tona como as bolhas do proseco que teimam em dançar freneticamente em suas taças.Ao final daquela noite restarão somente cacos de si mesmo e daquilo que pensavam que seriam.Clarice: “Naquele tempo em que o ar estava impregnado com aquele odor primaveril.”Marcos: “Resta esta manhã com gosto de desesperança.”
Marcos - [para si mesmo] O peixe ficou salgado.
Clarice - Repete.
Marcos – O que?
Clarice – Repete o que você falou.
Marcos – Eu não disse nada.
Clarice – Disse sim! Eu ouvi.
Marcos – Você deve estar ouvido coisas. É o que você tem feito ultimamente: ouvir coisas...
Clarice – Não me diga. E o que eu tenho feito mais ,além de, ouvir coisas supostamente dita por você?
Marcos – Por que você tem sempre que se sentar à mesa de de mau-humor?
Clarice – Eu nunca disse isso!
Marcos – Não disse. Eu é que estou lhe perguntando.
Clarice – Ah, eu é que janto de mau-humor?
Marcos – Quase todos os dias...
Clarice – Estou cansada desse seu exibicionismo alado. Aliás, tenho tido overdoses de tédio ao seu lado.
Marcos – Me passa o salmão.
Clarice – Quando morrer, você será velado pela sua idiotice, e enterrado junto com as suas várias brochadas na cama.
Marcos – Falou o oráculo infalível!
Clarice – Infalível é essa sua eterna mania de repetir-se a cada minuto.
Marcos – Você usa metáforas em demasia.
Clarice – E você usa o seu cérebro muito pouco. Inteligência é afrodisíaco, sabia?
Marcos – Não foi inteligência que me atraiu em você...Aliás, não consigo me lembrar o que me atraiu em você especificamente?
Clarice – Seu QI é de 85 não é mesmo?
Marcos – Isso não quer dizer nada.
Clarice – Sharon Stone tem Q.I de 102...
Marcos – E ela tem haver conosco?
Clarice – Nada.
Marcos – Onde você leu isso?
Clarice – O que?
Marcos – Que o Q.I da Sharon stone é de 102?
Clarice – Onde mais? Na internet.
Marcos – E pensar que você se vangloriava de dizer que tinha acabado de ler o último livro do Saramago...que decadência.
Clarice – Por sua causa já estou conseguindo acostumar-me com a mediocridade alheia.
Marcos – Você é a confirmação da minha mediocridade irremediável.
Clarice – Os seus fantasmas já não estão cansados de ficarem amontoados no seu guarda-roupas?
Marcos – Metafísica agora, pô? Dos meus fantasmas cuido eu. Fique fora disso!
Clarice – Falta-lhe o álibi da ignorância.
Marcos – Nunca precisei de álibi.
Clarice – Me dá um cigarro?
Marcos – Não gosto de dividir meus cigarros com estranhos.
Clarice – Você dormiu com uma estranha por oito anos. Isso deve fazer alguma diferença.
Marcos – Não com você.
Clarice – Covarde, isso é o que você é!
Marcos – Não adianta elogiar.
Clarice – Deus costumava punir escroques como você.
Marcos – Isso foi há muito tempo. Além do mais, Deus é amor, lembra?
Clarice – Intelectual prolixo desvairado!
Marcos – Parece que fui pego em flagrante.
Clarice – Não se preocupe que eu escreverei o seu epitáfio.
Marcos – Ah, é? E o que vai escrever na lápide?
Clarice – “O coveiro pediu demissão ontem. Fizemos o possível.”
Marcos – A saudade é um proletariado desempregado.
Clarice – Que vontade de assassinar à pauladas esse seu ar superior de burguês decadente.
Marcos – Fique à vontade meu bem.
Clarice – Santo Expedito, me socorra!
Marcos – Ele não está para hereges como você.
Clarice – Não se intrometa, isso é entra mim e ele.
Marcos – [para si] Agora ela fala com santos... onde eu fui me meter?
Clarice – Acho que os seus pecados já secaram no varal. Quer que eu os recolha?
Marcos – Não se dê trabalho, você já tem os seus para se preocupar.
Clarice – Você irá direto para o inferno por superávit de pecados e amoralidades.
Marcos – Desde quando te trair é considerado amoral ou um pecado digno de uma punição tal como uma estadia prolongada no inferno? Ah, a boa e velha Clarice, sempre egocêntrica e prolixa.
Clarice – Prefiro você ao natural, meu bem. Essa auto-caricatura de cafajeste sem escrúpulos não combina com você. Aliás, combina e muito. Tirando, é claro, o cinismo. Esse é chupado de “Manuais de como torturar suas ex-atuais namoradas sem se despentear.” Você se superou caríssimo.
Marcos – Você nunca gostou muito de matemática, não é mesmo? Pois vou te explicar uma equação que consegui resolver a poucos dias: Clarice+Marcos+dias vividos juntos=tédio. Entendeu ou quer que desenhe?
Clarice – Cavalo manco vindo de uma guerra perdida.
Marcos – Você só consegue se comunicar através de metáforas? Já está ficando cansativo.
Clarice – Faço parte de um triangulo amoroso, ou o que? Sim, pois tenho que dividir você com as metáforas que “utilizo em demasia”.
Marcos - Chega dessa música de elevador!
Clarice - Envenena-me com a tua ignorância.
Marcos - Por que vocês mulheres tem sempre que usar velhos clichês feministas tirados de romances baratos de banca de jornal?
Clarice - Vai continuar com essas grosserias no varejo ou vai apelar para o atacado?
Marcos - Que falta me faz uma garrafa de jack daniels...
Clarice - Prefiro uma boa trepada. Sem brochadas, é claro.
Marcos - Até que você conseguiria um emprego de puta num cabaré que frenquetei certa vez. Com bastante assiduidade, devo dizer...Esse traseiro faria o maior sucesso . Acho que está ai a solução. Você precisa de uma boa trepada. De preferência com um completo desconhecido. Para não cansa- lo na manhã seguinte com indagações idiotas.
Clarice - Já que você fracassou nessa e em outras obrigações de macho...sinto que o som da velha Billie Holiday servirá de consolo...
Marcos - Uma namorada que se consola ouvindo Billie Holiday...é o fim!
Clarice - E o que você entende de jazz? Energúmeno!
Marcos - Tanto quanto você. Clarice, me diga, onde ficou a sua dignidade?
Clarice - Acho que na minha primeira brochada com você...
Marcos - Essa sua eterna mania de nostalgia feliz. Ainda acabo com essa vidinha sem sentido.
Clarice - Se precisar de ajuda me procure.
Marcos – Não será preciso. Posso cuidar disso sozinho.
Clarice - Meu Deus o que seria de mim sem Bergmam, Godar, Fellini, Almodóvar...
Marcos - Seria menos boboca e sentimental. Acorda pra vida, Clarice!
Clarice - Essa “vida” ficou apertada pro meu ego.
Marcos - Nos seus delírios diários e incompletos, não pensa que talvez possa esquecer de alimentar o cachorro?
Clarice - O cachorro em questão é você?
Marcos - Não, o cachorro em questão é o Jorge. Você ainda se lembra do Jorge, não lembra?
Clarice - Não coloque o Jorge nisso. Ele nunca foi tão baixo e se atreveu a falar mau dos meus exs..
Marcos - Exs, é isso mesmo? No plural?
Clarice - Eu não gosto de me gabar. Sabe como é?
Marcos – Se Gabar, do que? De ser uma nojenta de uma puta? De ter trepado com tantos homens que nem que eu quisesse conseguiria contar nos meus dedos. Incluindo aí pés e mãos.
Clarice - O que você chama de puta nojenta, eu chamo de mulher atraente, com borogodó, sex-appel. Entende?
Marcos - Puta, isso sim. E da pior espécie, daquelas que são piranhas não por profissão, pra sobreviver. São putas por prazer.
Clarice - E qual é o problema? Se têm uma coisa que eu nunca fui foi frígida. Adoro uma boa trepada. Tudo bem para você? Mas nem nisso você serve mais...o que é uma lástima.
Marcos - Sabe o que eu deveria fazer?
Clarice - Sim, baby?
Marcos - Eu devia era te jogar pela janela deste prédio fétido. E sonhar eternamente com Sophia
Clarice - Não quero te desapontar, aliás quero, mas acho que ela não se interessaria por um operário sul-americano duro, brocha e com paranóia de desemprego. Não necessariamente nessa ordem.
Marcos - Você adora frases feitas, não?
Clarice - Adoro. Você não?
Marcos - Eu prefiro o silêncio.
Clarice - O silêncio foi tudo o que você têm me dado nesses últimos anos...
Marcos - Pensei que que vocês mulheres já tivessem se acostumadas a esse pequeno detalhe da personalidade masculina...
Clarice - Sabe, isso é gradativo. Primeiro nos acostumamos com o telefonema que não vem, depois a toalha molhada em cima da cama, o silêncio após o sexo para, enfim, nos acostumar-mos com as brochadas constantes...
Marcos - Isso já está se tornando uma obsessão. De novo esse história, Clarice?
Clarice - Magoou, é?
Marcos - Cafetina desclassificada.
Clarice - Cafetina, é? Então me responda Marcos, quem eu estou cafetinando? Não vai me dizer que é você.
Marcos – Vá se foder sua escrota! Porca!
Clarice - Já vi que você não lida bem com pressão.
Marcos - Não me provoque sua bandida. Te meto a mão na cara.
Clarice - Não faria isso. Você não iria querer engrossar a lista da Delegacia de Mulheres de maridos que espancam suas mulheres. Iria?
Marcos - Vai pagar pra ver?
Clarice - Olha Marcos eu não quero me tornar ph.d em cafajeste
Marcos - Você já é ph.d em um monte de outras coisas...
Clarice - Por exemplo?
Marcos - Como por exemplo: falar um monte de bobagens por segundo.
Tá bom pra você?
Clarice – Existe alguém ph.d em broxadas? Não, não responda. Deixa eu pensar...
Marcos – Meu bem, sarcasmo não combina com você.
Clarice - Sabe Marcos, eu estou cansada dessa vida.
Marcos - Sério?
Clarice - É, não aguento mais.
Marcos - Eu fui muito mau com você, fui?
Clarice - É, sério. Isso está muito autodestrutivo.
Marcos - “Muito autodestrutivo...” , qual é Clarice? Que papo de livro de auto ajuda é esse?
Clarice - Eu acho que não te amo mais...
Marcos - E quem falou em amor? Pirou mulher?
Clarice - Como você pode ser tão insensível? E os anos que vivemos juntos, não contam?
Marcos – Pobre Clarice, sempre tão dramática!
Clarice - Chega Marcos! Eu não vou mais me humilhar por um pouquinho de afeto e atenção seu. Vou para casa de mamãe. Cansei.
Marcos - Isso corre pros braços da mamãe. Mas acho, sinceramente, que você já passou da idade. Aliás, tudo já passou da idade. O nosso relacionamento, ou seja lá o que isso for. Já está a muito com o prazo de validade vencido.
Clarice - [silêncio]
Marcos - O que você está esperando? Vai embora de uma vez! Suma daqui sua desgraçada!
Clarice - Eu não queria que que tudo isso terminasse assim, dessa forma...
Marcos - É, mas terminou. E sinceramente não acho que um de nós irá morrer por causa disso.
Clarice - Você nunca me amou, não é mesmo Marcos?
Marcos - Já te disse que amor não tem nada haver conosco. Não vê que tudo não passou de uma troca, uma curtição. Te dei sexo e alguma proteção e você algum sexo e muita chateação. Rimou. Viu
Clarice, nossa vida se resume a uma rima barata...
Clarice - Acho que ambos ficamos insatisfeitos.
Marcos - Como você é melodramática. Coisa mais deprimente...
Clarice - Eu...eu...
Marcos - O que foi vai chorar de novo, vai?
Clarice – (silêncio)
Marcos – Olha Clarice, eu nunca te prometi nada além de sexo. Não me faço sair disso como vilão. O cafajeste que deflorou a donzela indefesa.
Clarice – Você era tão amável.
Marcos – Que amável o que. Eu simplesmente te comia como você queria. O resto é sombra de árvore alheia. Isso é do Fernando Pessoa, não é?
Clarice cantarola baixinho pra si mesma - “...você precisa saber da piscina da margarina da Carolina, da gasolina, baby, baby, eu sei que é assim...”.
Clarice - O que?
Marcos - É, onde é que eu assino?
Clarice - Assina o que?
Marcos - A sua tão almejada carta de alforria...
Clarice - Não precisa, nós nunca nos prendemos a um pedaço de papel.
Marcos - Acho que somos pessoas inteligentes. Podemos ser pessoas inteligentes Clarice?
Clarice - O que inteligencia tem haver com nós?
Marcos - É verdade. Nosso relacionamento é a prova cabal da nossa burrice homérica. Deve ser karma de vidas passadas...
Clarice - Não me inclua nisso! Seu escroque.
Marcos - Adorei o adjetivo novo. Tem mais algum no bolso? Preciso tomar um vinho. Discutir relação me dá uma sede...
Clarice – Cuidado, vai acabar dizendo coisas que irá acabar se arrependendo depois.
Marcos - Não vejo o porquê do receio. Já disse tudo que queria. Faltou algo? Acho que não.
Clarice - Como eu pude me interessar por alguém como você?
Marcos - Não faço a mínima idéia. Jogue os búzios. De repente...
Clarice - Isso não é um jogo Marcos. Não para mim.
Marcos - Eu vi você se insinuando para o Alberto na festa da Tânia. Que coisa feia.
Clarice - Você sempre teve uma mente muito sórdida. Além de extremamente fértil. Presumo que seja uma forma de compensar o seu pequeno problema de ordem sexual. Acertei?
Marcos - Presuma o que você quiser. Eu não ligo a mínima.
Clarice - Não me trate como eu eu fosse um all star velho que você se cansou de usar.
Marcos -Eu não tenho culpa dos seus problemas de baixa auto-estima. Mas a comparação com o all star velho é bem interessante.
Clarice - Você fez algum curso de cafajeste por correspondência? Deveria pedir o dinheiro de volta.
Marcos - Não, minha cara aprendi com minhas exs. Vai dizer que vocês não adoram uma homem cafajeste?
Clarice - É claro que não!
Marcos - É claro que sim. Se você quer se dar bem e comer alguma mulher mais ou menos, tem que fazer um puta esforço para ser e parecer o último cafajeste da face da terra.
Clarice - Deus do céu, como você é desprezível.
Marcos - Merci.

domingo, julho 15, 2007














Dor e Delícia


“Sua obra é ácida e frágil, dura como o aço e fina como a asa de uma borboleta. Cativante como um sorriso e cruel como as aguras da vida. Creio que jamais, até hoje, uma mulher depositou tanta agonia e poesia nas telas.”
Com esse depoimento, na parte final do filme, Diego Rivera sintetiza a pessoa e a obra da genial artista mexicana Frida Kahlo.
Tentar falar e explicar as imagens e cenas do filme é correr o risco de cair no reducionismo que a artista sempre evitou em vida.
Frida transferiu para sua obra toda a dor física e emocional que passou em vida. E não via muito sentido (para as outras pessoas) em suas telas. “Os meus quadros só têm importância para mim.” Ainda questionada por Leon Trotsky nas ruínas de uma civilização antiga sobre como é conviver com a dor ela diz: “Já me cortaram, quebraram e realinharam tantas vezes que pareço um quebra-cabeça.”
Logo no início do filme é mostrado um acidente cruel sofrido pela pintora. Acidente esse que foi uma espécie de mola propulsora para o mergulho na arte e na vida feito por ela e o início de uma seqüência de dores físicas, emocionais, sexuais, filosóficas e existenciais vividos pela artista. Há uma cena particularmente emblemática em que ela num processo de recuperação dos movimentos via fisioterapia é colocado nela uma espécie de espartilho de ferro e ela num momento de criação retrata a si mesma com aqueles ferros fazendo parte do seu corpo e uma lágrima escorrendo dos seus olhos.
O filme utiliza-se várias vezes da fusão das pinturas com os personagens de carne e osso. Brincando com os nossos sentidos cognitivos visuais.
Um outro cenário que de certa forma ilustra bem a força visual e vibrante da obra da pintora é o pátio da sua casa. O azul intenso junto com animais e estátuas exóticas retratam a luminosidade e intensidade da obra da artista.
Ao final do filme temos a belíssima imagem de Frida (em chamas) numa cama com dossel em seus “momentos finais” transformada em pintura. O seu semblante plácido e sereno de uma artista que cumpriu o papel a que se propôs em vida. Semblante de uma artista a frente de seu tempo que transformou a sua dor e inquietude em arte. Tirando beleza e lirismo da dor e da delícia de viver intensamente.
“Pés, para que preciso deles, se tenho assas pra voar?”.